Há muitos anos atrás, quando eu tinha, talvez, cinco, seis ou sete anos, uma carrinha costumava parar ao portão da minha casa, na margem sul do Tejo. A minha mãe ia comprar o pão, e eu ia com ela. Dizia-me sempre que podia escolher um bolo. Então, o padeiro convidava-me a entrar na carrinha, como era pequena, e escolher o que eu quisesse. Com o meu tamanho, aquela pequena carrinha era um mundo! Pastéis de nata, queijadas, bolos de côco, pães de todas as formas e feitios estavam dispostos em caixas empilhadas com panos a forrá-las. Eu ficava encantada e, claro, demorava uma eternidade a escolher um! Mas, um dia, apaixonei-me pela queijada.
A partir desse dia, a queijada tornou-se o meu doce de eleição. O padeiro tinha sempre um sorriso no rosto e sabia confecionar aquelas delícias. Por isso, quando eu e a minha mãe voltávamos para casa, eu devorava aquela queijada maravilhosa.
Estes momentos repetiam-se, que eu me recorde, todos os fins-de-semana, e eu aguardava ansiosamente aquela queijada – eu sei, eu sou uma gulosa! Para mim, uma criança com uma imaginação maior que o meu tamanho, aquele era um momento muito especial. Não só pelo doce em sim, mas porque a buzina soava e eu e a minha mãe íamos juntas – a distância do corredor exterior de casa até ao portão – até à carrinha para comprar o pão e aquele docinho.
E, um dia, o padeiro deixou de aparecer. Dizia-se pelo bairro que ele adoecera, e que por isso deixara de distribuir. Eu fiquei com muita pena, e gostaria muito que ele regressasse, um dia, recuperado.
Mas esse dia não chegou, e a rua tornou-se silenciosa, com a ausência da buzina ressoante. Eu fui crescendo, e voltei a ouvir estas buzinas quando ia passar as férias do Verão ao Norte, nas pequenas aldeias da Beira Alta. Apercebi-me, mais tarde, que tinha saudades deste som que desperta tudo e todos. Claro que já não ia pedir a minha queijada, mas ia ver as pessoas buscar o seu pão.
Já não é uma tradição como era, e isso entristece-me. Os padeiros que distribuem os produtos pelas aldeias vão rareando, já só existem uns quantos pelo país. Acredito que este gesto de levar o pão às pessoas é de uma coragem simbólica e de uma dedicação inigualável. É especialmente benéfico para as pessoas com mais idade e que já têm mais dificuldade em se deslocar. E, no entanto, é tão difícil aguentar um negócio como este nos dias de hoje que esta oferta tão preciosa vai escasseando.
Gostaria muito de ver novamente os padeiros percorrerem as ruas com as suas buzinas alegres, também ensurdecedoras – sim, porque o são! –, e distribuírem o pão às pessoas que vivem longe das padarias. Recentemente, ouvi uma buzina percorrer a rua da casa onde cresci. Será o retorno do padeiro?
Elisabete Martins de Oliveira
26.08.2020
Uau! O teu pai distribuía não apenas pão, mas alegria pelas pessoas! 🙂 Os padeiros fazem muita falta. Um beijinho!
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É uma sensação de grande alegria. Tão bom! Ainda bem que regressaram – fico tão feliz quando ouço a buzinadela da carrinha do padeiro! Espero que venham para ficar. 😀
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Durante o confinamento, alguns desses serviços voltaram! Na terra do meu pai, sempre existiram e, agora, estão para durar. 😉
Há coisa melhor do que abrir a porta e ter um saco de pão fresco a chamar por ti?
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Meu pai já teve um trailer (como os food trucks que vemos hoje em todos os lugares) e todos os dias de manhã o levava para vender pão. Não tinha buzina e ficava parado, mas havia esse ritual de chegar ao lugar e as pessoas o encontrarem para comprarem o pão quentinho ❤
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Anita, também conheceste bem esses momentos tão preciosos em que a padeira vinha até à rua da tua avó! 🙂 Tenho muita pena que ela tenha desaparecido, como o Sr. Mendes. É muito triste que os padeiros estejam a desaparecer, porque trazem grande alegria – e comodidade, claro! – a quem compra!
Boa observação! 😉 Acho que estamos mesmo crescidas, ahahah!
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Na casa da minha avo também passava uma carrinha dessas e no meu caso era uma padeira. Eu adorava esses momentos também! Eu ia sempre buscar o pão para a minha avó e a padeira oferecia-me sempre alguma coisa. Entretanto deixou de aparecer, puff! Nunca soube o que lhe aconteceu.
PS: Interessante como te referes a casa dos teus pais como a casa onde cresceste e não como a tua casa, estamos mesmo crescidas [inserir aqui emoji a pensar]!
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