Diz-se, muitas vezes, que não se deve ter preferidos: uma mãe não deve ter filhos preferidos; uma professora não deve ter alunos favoritos; uma médica não deve preferir certos pacientes a outros.
Mas será que é sempre assim? Será que não estamos apenas a forçar uma ilusão de igualdade para que essa seja socialmente aceite?
A verdade é que todos nós, sem exceção, gostamos mais de certas pessoas do que outras: gostamos mais de um dos pais; gostamos mais de uns professores; temos um melhor amigo, que se sobrepõe a qualquer outro; e escolhemos alguém para ser nosso(a) companheiro ou companheira de vida, de entre múltiplas pessoas. Logo, é claro que existe enviesamento na escolha de favoritos.
Eu acredito que isto é parte da nossa natureza humana, e que o fazemos por uma questão de sobrevivência – escolhemos pessoas com quem tenhamos maiores possibilidades de construir uma amizade, uma relação amorosa ou profissional. No fundo, fazemo-lo para garantirmos os nossos próprios objetivos, o que de si já é um fator subjetivo na escolha de pessoas “favoritas”.
Recordo-me de que, quando trabalhei numa livraria-papelaria em Inglaterra, eu tinha clientes preferidos. Não vou mentir: havia pessoas, embora raras, que me desrespeitaram, e a quem eu quis francamente dar um soco – sou humana, e por vezes eles magoavam-me com palavras rudes. E, depois, havia clientes muito meigos: recordo-me de uma senhora idosa que gostava de contar alguns aspetos da sua vida, e que mostrava sempre um sorriso meigo; havia um senhor que tinha vivido em Portugal, e que tinha sempre um sorriso no rosto. Falava-me do tempo que tinha vivido em Cascais e de como desejava regressar para lá – ele animava-me, porque, sejamos sinceros, trabalhar naquele sítio era muito exigente a nível físico e emocional, para além de que me custa estar longe de casa, e uma pessoa a tentar verdadeiramente falar Português comigo merecia toda a minha atenção; havia também uma senhora muito meiga que me contou uma história emocionante acerca do seu cavalo.
Havia muitos clientes regulares que não me diziam absolutamente nada – eram simpáticos, mas não tinham deixado uma impressão profunda. E havia outros, mais especiais, que me marcaram. Gostei sobretudo de encontrar clientes que vinham do Brasil e, numa ocasião única, pude conversar com uma família Portuguesa, e fiquei tão feliz por eles terem esperado que a fila desaparecesse para conversarem comigo que sorri o resto do dia.
Por isso, sim, acredito que não existe objetividade na escolha de pessoas. Num grupo, seja ele qual for, escolhemos as que mais nos alegram, que têm objetivos e interesses semelhantes aos nossos, e, sobretudo, que nos queiram acompanhar no nosso percurso. Há favoritos, e não temos de ter medo de o admitir. Com todas as consequências que isso possa trazer, ao nível emocional, podemos aceitar que, se todos nos tratarmos com respeito e diplomacia, todos sairão a ganhar.
Elisabete Martins de Oliveira
26.11.2020