Como é parte da minha profissão, eu passo muito tempo no mundo imaginário. É um requisito. O meu trabalho requer um desenho quase real de um mundo, de personagens que têm de se assemelhar, tanto quanto possível, a pessoas autênticas, e a situações intensas que eu tenho de saber interpretar e descrever segundo a personalidade daquele personagem.
Neste sentido, é, por vezes, difícil regressar à realidade. Enquanto escritora, passo tantas horas na vida destas pessoas imaginárias que tenho alguma dificuldade em sair. Não acho, no entanto, que isso seja mau. Aliás, a escrita proporciona-me uma pausa do mundo real, da dor que ele, muitas vezes, representa para mim.
Eu sou uma pessoa com uma imaginação que não acaba (e sou muito grata por isso) – mesmo quando interajo com pessoas, faço perguntas exaustivas, difíceis, e facilmente imagino (e verbalizo, se a coragem mo permitir) possíveis sequelas em relação a certas situações que me contam. Porque não? É divertido!
O escritor João Tordo, no seu livro “Manual de sobrevivência de um escritor”, explica como os escritores são diferentes das outras pessoas. Eu não podia concordar mais. Tenho a noção de que sou diferente da maioria da sociedade, que segue o caminho normal e expectável. Eu observo quase obsessivamente, analiso, interpreto, imagino, corro múltiplos cenários alternativos à realidade e à ficção. E escrevo porque não posso não escrever. Porque, de outra forma, a minha vida deixaria de fazer sentido.
No fundo, eu sou um cocktail de entusiasmo, obsessão por coisas de nicho, imaginação, ansiedade e uma falta de energia quase crónica em resultado de tudo isto. Esta é a verdade – eu fico tão empolgada com viagens, histórias (fictícias e pessoais) e certos lugares que a minha ansiedade dispara e a energia drena rapidamente. É uma consequência que tenho de aceitar.
A escrita e os meus livros proporcionam-me o escape de que necessito quando a realidade se torna demasiado difícil de suportar. Durante esta pandemia, por exemplo, escrever foi uma verdadeira terapia. Este ano, já reescrevi um livro e escrevi outro. Estou, neste momento, a iniciar um novo projeto.
Eu sou ambiciosa. Eu sei. E talvez me chamem de louca. Não vou mentir: este ritmo é demasiado acelerado. No entanto, enquanto outras pessoas snifam cocaína e tomam LSD para exacerbar os seus sentidos, eu recorro à minha imaginação, que tem uma dose de loucura que ninguém vê à superfície. Sempre é um vício mais saudável!
A imaginação tem-me salvo. Quando chego ao fim-de-semana, deixo de saber o que fazer. Procuro rapidamente algo com que me ocupar. Estou ao comando da realidade. Para que conste, eu adoro a realidade. De verdade que adoro. Mas, com esta pandemia, ela tem-se tornado insuportável. O facto de não podermos sair sem medo tem-me deixado mais esmorecida; receosa face ao futuro.
Apesar de passar muitas horas sozinha e de gostar de estar sozinha, este enclausuramento forçado – mesmo quando não evidente – é um machado na minha esperança. Eu adoro estar com as pessoas que mais estimo, e ter uma boa conversa. Nunca mais nos livramos deste maldito vírus. E como eu tenho saudades da minha família, dos amigos e de um abraço caloroso!
A escrita tem sido o meu refúgio – nas minhas histórias, não existe Covid-19, e os personagens podem estar apinhados num concerto, se assim o desejarem. Há liberdade. E como este vírus nos roubou a liberdade! Porém, ela continua a existir nas narrativas fictícias que eu crio. E que alívio que isso tem sido! Pelo menos, na minha imaginação, os mundos que crio são livres.
Por isso, quando eu estiver “ausente”, é porque estou a refletir acerca das minhas histórias – não é perturbação de hiperatividade e défice de atenção, nem letargia, mas sim a obsessão com o escrever a narrativa que ciranda na minha mente.
Que haja sempre a escrita para nos curar de todos os males!
Elisabete Martins de Oliveira
16.12.2020